terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O ESTRANHO PAÍS NORMAL

Vivemos em um país estranho, ou, quem sabe, um país normal demais. Tão normal, que o estranho parecer ter se tornado o normal. Aos mais distraídos, a grande questão é quem? Quem deixou que o estranho se tornasse normal? Acho, porém, que uma pergunta mais importante do que “quem” é “quando”... Então, reformulando o problema: quando foi que o estranho se tornou normal? A resposta mais sensata, para sair pela tangente sem me comprometer, seria um vago e lacônico “as coisas são assim mesmo”. Acontece, porém, que eu não saio pela tangente como um covarde e a resposta que eu tenho para essa questão é aquela que todo mundo sabe e da qual todo mundo foge: desde sempre.

Fase um concluída — descobrir quando — o que nos leva diretamente à fase dois: quem. Essa resposta também já está tão arraigada no nosso ser quanto o patrimonialismo que corre nas veias deste país, embora finjamos não saber: nós mesmos. Talvez um conto de fadas possa ajudar a responder melhor esta questão. Importante ressaltar, contudo, que qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

“Era uma vez, numa cidade não tão distante, uma mulher que trabalhava de rainha. Era a pior de todas as tiranas e os súditos dela partilhavam um terrível sentimento de ódio e repulsa, misturado na exata medida com o medo que dela tinham. Todos proferiam os mais terríveis vitupérios sobre sua pessoa — às suas costas, evidentemente — e não suportavam seu ar de soberania. Certo dia, a rainha foi deposta e o que aconteceu foi tudo, menos esperado: aquelas mesmas pessoas, cujo desejo era vê-la deitada sobre um canteiro de rosas murchas segurando um pedaço de parafina com uma luz na ponta, ao invés de renderem graças aos céus pela liberdade recebida dobraram seus joelhos, curvaram suas cabeças e verteram lágrimas pelo ocorrido; uns, aqui e acolá, batiam no peito desejando trocarem de lugar com ela para poupá-la dessa terrível provação. E assim, ela perdeu a posição de rainha, mas sua majestade, que estava em seu ser, entranhada no seu corpo e espírito, sobreviveu. Algum tempo depois, porém, ela voltou a ocupar seu antigo posto. Logo, aqueles mesmos que tanto a ajudaram e por ela se solidarizaram, desejavam a construção da sua lápide. E todos viveram assim... quase sempre tristes... ora felizes... para todo o sempre”.

No Brasil é assim que as coisas funcionam: passamos a vida reclamando da má sorte que temos por causa da política e da malandragem; entretanto, quando a sorte resolve nos sorrir lhe fechamos a cara e a amaldiçoamos exatamente por causa da política e da malandragem. O que seria de um povo sofrido e amargurado sem um tirano em quem colocar a culpa? Eis o legado que veio de brinde com os europeus das chamadas “Grandes Navegações”: a maldita (bendita seja!) malandragem. Ou você achou que a malandragem e a vagabundagem são provenientes do brasileiro? Não, amigo, jamais seriam. Toda a malandragem e preguiça da qual somos taxados não nasceu aqui; veio de fora. Não somos uma sociedade autóctone, o que se comprova pelo valor que conferimos à nossa própria história; ninguém se preocupa em saber do passado alegando justamente que “quem vive de passado é museu”. Recebemos tudo de fora, enlatado e rotulado, pronto para usar. Quando a lata esvazia, é só jogar a embalagem fora e escolher outra na novela das oito ou no seriado americano mais próximo.

Mas a situação fica ainda mais interessante: apesar de termos em nossas mãos todas as maneiras para mudarmos esse quadro, simplesmente nos negamos a fazê-lo. Fechamos os olhos e continuamos caminhando aos solavancos, tropeçando e esbarrando uns nos outros, deixando a “vida me levar (vida leva eu!)”, vamos “caminhando e cantando e seguindo a canção”. Ora, de que adianta caminhar e cantar e ouvir se não vemos para onde estamos indo? Temos os ouvidos abertos e as pernas fortes, mas nossos olhos estão vendados aos fatos.

Quando assisti ao filme The Matrix pela primeira vez, uma frase de uma das personagens me fez pensar: “a ignorância é uma bênção”. E isso realmente se aplica a muitas pessoas, que constroem ilusões e castelos de areia com medo de que alguém venha e destrua tudo com apenas uma palavra. Por isso, amigo, se aquela fala fere os seus ouvidos por ser demasiadamente realista, embora você saiba que, de alguma maneira, ela também se aplica a mim e a você, apenas a substitua por esta mais poética: o que os olhos não vêem o coração não sente.

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