Um dia desses logo pela manhã, estava eu indo em diereção à senzala... digo... ao trabalho, quando me deparei com uma senhora, aparentemente bastante idosa, parada sob uma árvore, esperando por alguém ou alguma coisa. Como sempre, eu estava com pressa de chegar ao trabalho [sim, eu bato cartão de ponto] e, bem na hora que eu passava pela senhora ela resolveu que deveria ir, me obrigando a diminuir o ritmo da caminhada. Em um primeiro momento, confesso que fiquei um pouco aborrecido com a diminuição súbita, mas isso me fez pensar.
Vivemos em um momento pautado pela emergência, pela urgência. Mas de quê? Por que temos sempre a impressão de que estamos no último segundo para tudo? Stuart Hall (A identidade cultural na pós-modernidade. DP&A: 2006) aponta, dentre outros fatores, a tal da globalização. O encurtamento das distâncias provocado pela criação de uma "aldeia global", em que o mundo está sempre em conexão, transformou drasticamente a noção que temos de dois pontos-chave da vida moderna humana: o tempo e o espaço. E se as idéias de tempo e espaço sofreram mutações, uma outra idéia também se tornou "híbrida", digamos assim, e não comporta mais os significados que tinham até, mais ou menos, meados da década de 1990: a idéia de lugar.
O tempo está diferente; o espaço está diferente; a idéia de lugar está diferente. No entanto, as pessoas de mais idade, digamos as das gerações entre o final de década de 1940 e meados da de 1950, que hoje tem aproximadamente entre 55 e 60 anos, dificilmente conseguem acompanhar essas mudanças de caráter, permitam-me dizer, puramente abstrato. Ou seja, não é possível distinguir tempo, espaço e lugar, mas essas idéias são fundamentais para ciências como a Física e a Geografia. Na verdade, eu desconfio de que as pessoas daquelas gerações se recusam deliberadamente a acompanhar essa mudanças, simplesmente não aceitando se metamorfosearem [nem sei se essa palavra existe]. Digo isso com base na convivência com meus pais.
Então, me parece que o choque da emergência dos mais novos com a paciência [necessária] dos mais velhos, provoca um sentimento de confusão em ambos: de um lado, o mais jovem não entende o que leva um idoso a andar tão devagar, ou a acordar as 5h da manhã; o idoso, por sua vez, não entende porque o jovem tem tanta pressa, tanta urgência em fazer sabe-se lá o quê. Esse choque está diretamente relacionado à noção de utilidade de um de outro diante da sociedade. Esta, infelizmente, ainda atrela de maneira vital a noção de utilidade com a noção de trabalho, de forma que quem não trabalha, seja por vagabundagem, falta de emprego ou mesmo porque já trabalhou os 35 anos necessários à aposentadoria, é considerado socialmente inútil, reduzido a um "gasto desnecessário". Isso é o que Stuart Hall chama de "tradução", esse ato de se reduzir certas noções ao mesmo patamar [antigamente, nas ciências sociais a gente chama isso de "nivelar por baixo"... hoje eu sinceramente não conheço uma gíria científica específica pra isso... acho que estou ficando velho]. Por outro lado, o jovem, por possuir atributos que ainda podem ser explorados pela sociedade é o parâmetro para estabelecer usos e desusos.
Eu discordo veementemente dessa idéia de que ser útil é ser trabalhador. A função do trabalho, de acordo com Marx, é a produção para a sobrevivência. Acontece que tem sempre um filho da puta que se apropria dos meios de produção e quer superfaturar essa produção para ganhar mais. São esses filhos da puta que fizeram com que a utilidade do ser humano fosse tornada sinônimo de trabalho. E vejam que aqui me refiro a todo tipo de trabalho, em especial ao trabalho alienado. Um paradoxo interessante, uma vez que na Grécia antiga o movimento seguia na via exatamente contrária: o ócio era a referência para a cultura, para o pensamento e, evidentemente, para a utilidade do ser humano. Mas esse ócio não era um simples "não fazer nada da vida" e sim um tempo de reflexão [essa é a chave da filosofia grega]. O mais velho era o parâmetro para usos e desusos e, exatamente por isso, era respeitado pela sua vivência e sabedoria.
Hoje o mais velho é, por definição, aquele que atrapalha o desenvolvimento, é a pedra no sapato, é a barreira a ser vencida e não me refiro apenas ao ser humano. As noções pós-modernas, de uma maneira geral, não comportam, de forma alguma, nada que lhe pareça obsoleto. Os processos não se concluem... não que algum processo algum dia tenha se concluído, eles sempre se transformam. Acontece que o tempo necessário inclusive para isso mudou: as transformações processuais são muito mais rápidas, fazendo com que o novo nasça, praticamente, obsoleto.
Ô pós-modernidade do caralho! Tira o pé da minha vida!
essa pós modernidade só estorva!
ResponderExcluirÓtima leitura dos tempos q vivemos! Esse teatro repleto de desinteressados pelas atuações q têm mais profundidade e exigem mais tempo que se esvazia rapidamente deixando o pobre ator na completa solidão está me cansando profundamente.
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