sexta-feira, 13 de maio de 2011

UMA LEMBRANÇA

Há 123 anos atrás, aos 13 dias do mês de maio do ano da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1888, com os auspícios de el rey Dom Pedro II representado por sua filha Isabel (sim, chefe de estado viajar em momentos importantes é cultural), era sancionada uma das poucas leis que fizeram alguma diferença significativa neste país. Uma lei que, ao reconhecê-la como legítima, os censitários de então reconheceram também sua própria ignorância e desumanidade. Tinha fim a escravidão e, com ela, punha-se termo à sofreguidão da lida que o negro, vindo de África, tinha que executar sob sol forte, calejo de mãos e açoite de capitão-do-mato.

Quantos filhos foram arrancados de suas mães e estas dos seus filhos; quantas famílias destruídas; quantas lembranças lançadas ao mar em longa viagem de Negreiro... quanta humilhação em Praça de Mercancia; em ser despido da honra e da dignidade humanas; em ser transportado como ferramenta em lombo bovino ou muar.

E as senzalas... quantos gritos ainda podem ser ouvidos nos Pelourinhos; nos campos canaviais ou cafezais; quanto sangue e suor misturados nos cantos sombrios das Casas-grandes; quanto ódio; medo; raiva; ANGÚSTIA! IRA! CÓLERA! QUANTA MALDIÇÃO PROFERIDA PELOS GRITOS DE ALMAS EMUDECIDAS PELA DOR... a dor... a dor que cansa; e a mesma que alimenta, talvez, uma última chama de esperança.

Toda vez que visito os antigos engenhos, eu sinto exatamente tudo o que descrevi acima. Junto com a tortura e o preconceito, a escravidão fecha a Tríade Maldita criada pelo ser mais asqueroso da face desta e, provavelmente, de outras terras. Li muitas coisas sobre escravidão e percebo que, infelizmente, é um período que não vai muito além dos livros com a devida força para chegar à consciência. Basta apenas nos lembrar que a Consciência Negra, no Brasil, não é comemorada neste dia 13 de maio... é em novembro... pertinho do Natal... todo mundo já em clima de festa e pouco se lixando para isso. Consciência Negra não é festa... Consciência Negra deveria ser uma pedra no sapato deste país para ser lembrada e relembrada a todo momento, todo dia, porque a escravidão é um período que faz parte da genética do Brasil.

Não houve uma alma viva que sequer mencionou o fato de hoje ser o 123º aniversário da Lei Aurea. Tava todo mundo muito mais preocupado com a roupa que ia vestir na balada ou quantos amigos iria chamar para o churras do final de semana. Havia muita gente preocupada com o fato de hoje ser sexta-feira 13... Enfim, ninguém estava nem aí para o fato histórico importante ocorrido há mais de um século.

Mas eu não... eu lembrei disso o dia todo e fiz uma reflexão a respeito... e lamentei por todas as pessoas que sofreram tamanha provação e por aquelas que, infelizmente, nos confins deste país ainda sofrem. Ninguém nasce escravo... acredito que a liberdade é um bem inalienável para toda e qualquer forma de vida. Portanto escravizar é roubar a vida das pessoas.

Eu não perdôo o Brasil por ter roubado a vida, a dignidade e a honra de tantas pessoas; nem aos EUA; nem a Espanha; nem a Holanda; nem a França; nem Portugal nem nenhum outro país. Nenhum deles sequer apresentou uma retratação pública e formal, admitindo esse erro... se, eu disse SE, isso acontecer algum dia, talvez eu pense em perdoá-los.

E você Igreja, pensa que eu te esqueci? Não. A sua culpa é maior porque você além de ser conivente se aproveitou da escravidão. Esse era um privilégio que você não tinha. E não me venha com esse papinho de "a igreja é feita por seres humanos, fracos". Isso se chama hipocrisia. O seu Mestre deve ter sentido muita vergonha de você neste e em outros incidentes com os quais você compactuou, cuja lista é extensa demais para ser exposta aqui. A você também eu digo: se e somente SE você algum dia resolver seguir o exemplo que você mesma dá e se curvar diante do mundo, com o rosto por terra, pedindo perdão por todos os horrores que praticou em conluio com os "donos do mundo" ao longo da história, talvez eu considere pensar sobre perdoá-la.

Mas a você homem e mulher descendentes em linha direta ou indireta dos escravos que aqui foram aprisionados, peço perdão por eu ter nascido tarde demais e não ter podido combater esse mal ao lado deles. Peço perdão pela ganância dos meus antepassados ter levado a eles choro, dor e ranger de dentes. Espero que tenham paz, que é a amiga mais íntima da liberdado.

Quanto a nós, espero que não sejamos nunca coniventes com essa prática inominável e nem com ela compactuemos. Afinal, tudo o que tivermos que deixar aqui vai ficar aqui.

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